Na trama do casamento

Ela sabia que aquele dia decidiria o resto da sua vida, mas, mesmo assim, desejou que nenhum pensamento assolasse sua mente durante sua caminhada. Pessoas estavam se aglomerando aos lados, e belas flores, rosas, espalhavam-se pelas bancadas. Não sabia como diabos tantas pessoas haviam surgido naquela festa, deveria ter sido ideia do seu noivo, possível marido, querendo animá-la.

Ela estava nervosa, não entendia a utilidade daquele festival de símbolos. Ela repetiu, pelo menos umas dez vezes, que a forma com que a noiva se vestia de branco era uma velha tradição machista que buscava pureza, virgindade e gentileza. Ela, no entanto, vestia azul, como para que afirmar que, de jeito nenhum, havia cedido toda sua personalidade para aquele ritual. Seus olhos, porém, entregavam sua preocupação.
           
Voltando um pouco atrás, ela tinha dezoito anos, quando tudo começou. Eles se conheceram no meio da uma escadaria, e seria impossível determinar qual foi a característica definitiva que lhe atraiu: os grandes olhos negros, o descaso com a roupa, ou mesmo, a falta de jeito.

Depois de dez anos, passaram a viver juntos; algumas traições no meio; mudanças temporárias para o exterior tentando pacificar o espirito; um acidente de carro; ainda se mantinham juntos. Ela não acreditou quando seus pais lhe obrigaram a casar: uma moça de bem não deveria viver sobre o mesmo teto de um homem sem casamento, era um absurdo, pensariam que ela não tinha nascido numa família católica.
           
Sua família não tinha peso na sua vida desde o dia que ela se fez independente. Foi um grito surdo, em plena Ipiranga, que lhe havia permitido tal liberdade. Seu noivo, marido, companheiro- rótulo qualquer ainda não identificado- tinha ficado gravemente doente. A única forma da cobertura total de plano de saúde era o casamento. Ela se sentia desesperada por ter de ceder. Olhando nos grandes olhos doentes dele, ela prestava-se ao ritual. A ideia da igreja tinha sido dos pais dos ambos e já haviam perguntas de quando filhos viriam.

            
Ela não acreditava que ele havia deixado tudo aquilo acontecer. Eles não deveriam casar. Não deveriam ter filhos. A ideia de morar separados ainda atraia ambos, no entanto, a proximidade na cama no final do dia acabava por acalmar seus ânimos. Enquanto se encaminhava pelo altar, ela pensou algumas vezes sobre seu destino e andou para trás. Chegando fora da Igreja, ele estava fumando um cigarro, despretensioso, como se não pertencesse naquele ambiente. Foi por isso que eles sorriram. Não precisavam dizer mais nada. Ela foi a primeira a correr. Baixa, coordenada, herdando os valores atléticos da sua juventude, ficou à frente. Ele, entretanto, correu disparado, sem nem ao menos olhar para a sua família. Foi assim que eles fugiram do casamento, e eu fiquei assistindo, rindo, sem saber direito se eles estavam certos ou se a família, gritando, tinha razão.

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